quinta-feira, 3 de janeiro de 2008




3. O C O R P O P R E S E N T E

A pedra é uma fronte onde se queixam os sonhos,
sem que tenha água curva sem ciprestes gelados.
A pedra é uma espádua para levar ao tempo
com árvores e lágrimas, cintas e planetas.

Eu vi chuvas cinzentas correndo para as ondas
levantando seus ternos braços esburacados,
para não ser caçadas pela pedra estendida
que desfaz os seus membros sem se empapar de sangue.

Porque a pedra recolher sementes e nublados,
ossadas de calhandras e lobos de penumbras;
mas não produz ressonâncias , nem cristais, nem fogo,
senão praças e praças e outras praças sem muros.

Já sobre a pedra repousa Ignácio, o bem nascido.
Já se acabou : que se passa ? O rosto contemplai-lhe :
de pálidos enxofres a morte o recobriu
e a cabeça compôs-lhe de escuro minotauro.

Já se acabou. A chuva penetra-lhe a boca.
De seu peito afundado foge o ar como louco
e o Amor, empapado de lágrimas de neve,
aquecer-se procura no cimo dos currais.

Que dizem ? Um silêncio com fedores repouso.
Estamos com um corpo presente que se esfuma,
com uma forma clara onde rouxinóis havia
e vemo-la crivar-se de buracos sem fundo.

Quem o sudário enruga ? É mentira o que diz !
Aqui não há quem cante, nem chore lá no canto,
quem pique das esporas ou espante a serpente :
aqui não quero ter mais do que os olhos redondos
a fim desse corpo ver serm possível descanso.

AQUI EU QUERO VER OS HOMENS DE VOZ DURA,
OS QUE DOMAM CAVALOS E DOMINAM OS RIOS ;
os homens cuja ossada ressoa e também cantam
com boca toda cheia de sol e pedernais.

AQUI EU QUERO VÊ-LOS. BEM DEFRONTE DA PEDRA.
DIANTE DESSE CORPO COM AS RÉDEAS PARTIDAS.

EU QUERO QUE ALGUÉM ME DIGA ONDE ESTÁ A SAÍDA
PARA ESTE CAPITÃO ATADO PELA MORTE.

Eu quero que me mostrem um pranto como um rio
que tenha doces névoas e praias insodáveis,
para levar o corpo de Ignácio e que se perca
sem escutar o duplo resfolegar dos touros.

Que se perca da lua na praça arredondada
que finge ao ser menina dolente rês imóvel ;
que se perca na noite sem cantares dos peixes
e na maleza branca do fumo congelado.

NÃO QUERO QUE LHE TAPEM O ROSTO COM LENCINHOS
PARA QUE SE ACOSTUME COM A MORTE QUE LEVA.
VAI-TE IGNÁCIO : NÃO OUÇAS O CANDENTE BRAMIDO.
DORME, VOA, REPOUSA... ASSIM TAMBÉM MORRE O MAR.

Nenhum comentário: